Quando o “nós” apaga o “eu”: o perigo de se perder em um relacionamento

Em um relacionamento saudável, a união entre duas pessoas não deve significar a anulação das individualidades. Ainda que o “nós” seja um símbolo de parceria, cumplicidade e construção conjunta, ele jamais deveria significar o fim do “eu”. Quando isso acontece, estamos diante de um processo silencioso e perigoso: a perda de identidade dentro de um relacionamento.
Muitas pessoas, ao entrarem em uma relação, acreditam que amar é ceder o tempo todo, viver para o outro, moldar-se completamente às necessidades e vontades da pessoa amada. Confundem amor com fusão, esquecendo que a individualidade é o que sustenta o equilíbrio de qualquer relação a longo prazo. O problema começa quando um dos parceiros deixa de ser ele mesmo para se tornar aquilo que o outro quer ou precisa.
Essa renúncia contínua pode até parecer nobre no início — um gesto de entrega, de dedicação, de cuidado. Mas com o passar do tempo, o preço cobrado por essa autonegação começa a surgir em forma de frustração, angústia, insatisfação e até perda da autoestima. O indivíduo já não se reconhece mais. Os hobbies que antes faziam parte da rotina desaparecem, os encontros com amigos são deixados de lado, as opiniões são engolidas para evitar conflitos, e, aos poucos, a vida passa a girar em torno do outro — e apenas do outro.
O “nós” é importante, sim. É ele que permite tomar decisões juntos, planejar o futuro como um casal, dividir responsabilidades e crescer lado a lado. Mas ele precisa ser construído com dois “eus” inteiros, conscientes de quem são, do que sentem, do que sonham e do que não aceitam. Quando o “nós” se torna maior do que o espaço permitido ao “eu”, surge o desequilíbrio — e com ele, o sofrimento.
É comum que, em relações assimétricas, uma das partes domine completamente a dinâmica, e a outra aceite silenciosamente por medo de perder o parceiro. O medo de estar só, o receio de parecer egoísta, ou a idealização do amor como sacrifício constante fazem com que muitas pessoas se apaguem aos poucos. E, muitas vezes, nem percebem que isso está acontecendo até que estejam emocionalmente esgotadas.
Resgatar a individualidade é um passo essencial para quem sente que o “eu” foi apagado. Isso não significa abandonar a relação, mas sim resgatar aquilo que foi deixado para trás: os próprios sonhos, gostos, amizades, valores. É lembrar que, para amar o outro, é preciso primeiro estar bem consigo mesmo. Relações saudáveis se constroem com diálogo, respeito e espaço para a diferença. Amar não é se anular, é caminhar ao lado de alguém sem perder o rumo da própria essência.
A construção de um relacionamento sólido exige esforço mútuo, mas jamais à custa da identidade de um dos envolvidos. Quando uma pessoa deixa de existir dentro da própria vida para viver exclusivamente em função de outra, isso deixa de ser amor e se transforma em dependência emocional. erosguia
Se você sente que está vivendo uma relação onde o “nós” apagou o “eu”, pare, reflita e se pergunte: o que eu perdi de mim nesse processo? O que eu gostaria de resgatar? O amor que vale a pena é aquele que acrescenta, que soma, que te fortalece como indivíduo. E só existe “nós” de verdade quando os dois “eus” estão vivos, presentes e respeitados. Amar também é saber se preservar.
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